Eleições nos EUA: uma democracia que não permite oposição. Por Eduardo Vasco*
Eduardo Vasco |
Mas como um sistema pode ser considerado democrático se há somente dois partidos, que não divergem em nada nos principais assuntos nacionais e internacionais, e que, como muitos sinalizam há tempos, não passam de dois lados da mesma moeda?
Para as eleições presidenciais de novembro deste ano, o roteiro é o mesmo de sempre: Partido Democrata vs. Partido Republicano. Mesmo que a maioria dos eleitores não concorde com as candidaturas de Joe Biden e Donald Trump, como apontou levantamento da Reuters/Ipsos de 25 de janeiro: “em geral, uma maioria absoluta de americanos (52%) não está satisfeita com o sistema de dois partidos e quer uma terceira escolha.”
Esse sentimento não é de hoje. Já em 2008, quando as presidenciais opuseram Barack Obama (D) a John McCain (R), 47% dos eleitores consultados pela Gallup desejavam uma alternativa a democratas e republicanos. Em outubro de 2023, o mesmo instituto apontou que 63% dos americanos achavam que os dois partidos fazem um “trabalho tão ruim” de representação popular que é preciso um terceiro grande partido.
Uma terceira pesquisa, de outro instituto de grande prestígio nos EUA, o Pew Research Center, mostrou, em 24 de abril, que 49% dos eleitores substituiriam tanto Biden quanto Trump como candidatos nestas eleições, se tivessem a “capacidade” de decidir quem seria o candidato de cada partido.
Mesmo com tamanha insatisfação, que evidencia uma oposição do povo americano ao regime bipartidário, essa oposição não se materializa em um partido político com chances de vitória.
Apenas em oito ocasiões na história dos EUA (a primeira em 1848 e a última em 1992) um terceiro candidato obteve mais de 10% dos votos populares. E somente em duas delas ele conseguiu ficar à frente de um dos dois candidatos principais, mas nunca na frente dois dois, ou seja, nunca conseguiu se eleger. Essas duas exceções de terceira via que chegaram em segundo lugar foram John Breckinridge, pelos Democratas de Lecompton, em 1860, e Theodore Roosevelt, pelo Partido Progressista, em 1912.
Há mais de cem anos aos americanos não é dada nenhuma opção que não seja o candidato do Partido Democrata ou o candidato do Partido Republicano, ainda que, como mostram as pesquisas, os eleitores exijam essa terceira opção. Mas a pulsante democracia dos EUA não atende à vontade de seus cidadãos em seu momento mais importante, a eleição presidencial!
De fato, os partidos e candidatos que tentam concorrer com o regime bipartidário são sistematicamente impedidos pelo aparelho eleitoral. Poucos conseguem se qualificar para aparecer nas cédulas eleitorais, cujos critérios variam em cada estado. As pesquisas de intenção de voto não mencionam nomes que não sejam os do candidato democrata e do candidato republicano – pouquíssimas citam um terceiro ou quarto candidato. A imprensa não noticia as atividades dos outros candidatos, nem tampouco os entrevista. Para participar dos debates promovidos pela Comissão de Debates Presidenciais, o candidato precisa ter ao menos 15% das intenções de voto nas pesquisas (como, se seu nome sequer é mencionado?) e aparecer em um número suficiente de cédulas para ter chance de vencer no Colégio Eleitoral.
Todo o aparato do regime norte-americano (justiça eleitoral, instituições, imprensa, mecanismos de busca) funciona como se houvesse apenas dois candidatos: o democrata e o republicano. E, de fato, essa é a realidade. Os outros quatro ou cinco que realizam a proeza de superar as dificuldades para aparecer na cédula não concorrem efetivamente.
Esse mesmo aparato, encabeçado pelo governo dos EUA, costuma exigir dos outros países – principalmente aqueles que não aceitam a interferência americana – que realizem eleições onde todos os candidatos tenham oportunidades iguais de vitória. É claro que essas exigências são apenas um artifício para forçar uma mudança de regime nos países a serem dominados. O próprio regime norte-americano não oferece nenhuma chance para a oposição vencer as eleições – e nem mesmo aceita observadores internacionais, apenas “acompanhantes”.
Mas não é só isso. O buraco é muito mais embaixo. Os pobres coitados que, após muito sofrimento, conseguem se candidatar contra a máquina bipartidária e não terão a menor chance de vencê-la na verdade não são nem mesmo uma oposição consentida. Eles simplesmente não são oposição.
Expoente dessa tese é Robert Kennedy Jr. Ele desistiu de sua candidatura pelo Partido Democrata para se candidatar como independente. Mas, apesar de ter saído do Partido Democrata, o Partido Democrata não saiu de RFK Jr. Suas propostas não são muito diferentes daquelas dos dois partidos hegemônicos – de fato, em toda a história, sempre houve um bloco de democratas e de republicanos com propostas distintas da cúpula partidária, com inclinação social e mais isolacionista. O filho do ex-senador Robert F. Kennedy e sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy sequer é um outsider: a prova mais cabal disso é seu fiel apoio ao genocídio promovido por EUA/Israel em Gaza. Assim como os democratas e republicanos, RFK Jr. está no bolso da burguesia que controla o regime americano.
É por ser uma oposição de fachada que Kennedy tem o melhor índice de intenções de voto entre os candidatos da terceira via desde as eleições de 1996. As raras pesquisas que mencionam seu nome o apresentam com um índice de entre 10% e 15% de intenções de voto. Mas a razão de tal desempenho é menos um acordo por parte dos eleitores com o seu programa do que uma rejeição ao bipartidarismo (particularmente à disputa Biden vs. Trump) ou uma simpatia pela sua tradicional família. Uma pesquisa publicada no ano passado pela CNN mostrou que 39% daqueles que pretendem votar em RFK Jr. sequer têm uma opinião formada sobre ele, ou seja, mal o conhecem. Só o escolheram porque não pertence ao partido Democrata ou Republicano.
Além de RFK Jr., outros cinco candidatos irão aparecer nas cédulas eleitorais de menos da metade dos estados. Logo, não terão a menor chance de fazer cócegas ao bipartidarismo. Os restantes cinco partidos que tentaram concorrer sequer obtiveram o acesso ao registro na cédula de votação de um único estado. Na prática, todos eles são completos desconhecidos pelo eleitorado americano. E, ainda que os eleitores os conhecessem, perceberiam que seus programas e ideologia são cópias mal formuladas daqueles dos partidos Democrata e Republicano.
Todas as tentativas de se criar um partido realmente distinto dos irmãos siameses foram sabotadas e suprimidas pelo sistema ditatorial americano. Foram os casos do Partido Progressista, que durou somente dois anos (1912-1914), do Partido Comunista e do Partido dos Panteras Negras (estes dois últimos brutalmente perseguidos e reprimidos pelo Estado).
Com efeito, o sistema político dos Estados Unidos não permite oposição, embora a maioria dos cidadãos queira uma. Essa é a verdadeira democracia mais perfeita que o homem já criou! Deus salve a América!
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